quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Gutemberg (fundo do baú #1)

Uma das coisas que gosto de fazer é reler as coisas que escrevi há 4/5 anos atrás no meu antigo blogue. Naquela altura a minha fértil imaginação criou autênticas pérolas literárias (olha a modéstia!), e como algumas delas se mantém bastante actuais, resolvi fazer algumas recauchutagens, com a devida correcção dos pontapés na gramática, pelo que de vez em quando vou aparecer aqui coisas saídas do fundo do baú.

Como bom português que sou, gosto de ter opinião sobre quase tudo e mais alguma coisa, se bem que, na maior parte dos casos, guardo as opiniões para mim porque há muita coisa sobre a qual não devia opinar. Mas hoje apetece-me opinar sobre aquilo que considero ser um dos grandes flagelos da humanidade: a tinta do papel de jornal!

Como costumo fazer quando vou almoçar, gosto de passar os olhos pelo jornal enquanto a comida não chega, por isso hoje não foi excepção. Graças a isso tive a possibilidade de descobrir que, apesar de termos andado um ano inteiro a ouvir dizer o contrário, Portugal está mesmo em recessão (quem diria), mas que apesar disso e apesar de as previsões para 2009 serem más, o rendimento dos portugueses vai aumentar porque a inflação vai ser quase nula. Muito nos aldraba esta gente que nos (des)governa.

Apesar da recessão e dos efeitos da crise económica mundial serem uma real chatice, chato mesmo é ficar com os dedos todos borrados de tinta só porque uma pessoa quer manter-se a par com a actualidade, seja ela económica, desportiva ou doutra área qualquer.

O grande culpado deste mal há muito enraizado no quotidiano de qualquer país desenvolvido, e de Portugal também, é o senhor Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutemberg, inventor alemão que se tornou famoso pela sua contribuição para a tecnologia da impressão e tipografia, vulgarmente conhecido como sendo o pai da imprensa.

O problema não reside na imprensa em si. O busílis da questão é a porcaria da tinta, porque a imprensa não suja as mãos. Pode ajudar a manchar a reputação de algumas pessoas, mas as mãos, e tudo aquilo em que depois se toca, quem as suja é a sacana da tinta, e suja-as duma maneira que quase apetece de apelidar como criminosa.

Eu acho que devia ser punido como crime o facto de uma pessoa sair de casa de manhã toda bem arranjadinha e lavadinha, dirigir-se ao quiosque mais próximo para comprar um jornalzito porque se quer manter a par com as actualidades mundanas, ler esse mesmo jornal enquanto usufrui dos prazeres indescritíveis da rede de transportes públicos (quem não se recorda com nostalgia do cheiro envolvente e sedutor do sovaco alheio, do aperto aconchegante do excesso de lotação, do cacarejar das galinhas do banco ao lado que vão a discutir a vida da vizinha de cima da empregada do primo do marido duma delas) e chegar ao seu local de trabalho com ar de quem acabou de sair de um dia de trabalho numa qualquer mina de carvão!

Já era altura de alguém acabar com este flagelo. Só que os lobbies das tintas são muito poderosos. A dura realidade é que este país está nas mãos não dos legitimamente eleitos mas sim nas mãos das famílias Robialac, Cin e Dyrup, entre outras. São piores que as máfias italianas ou de leste, que as tríades de Macau, que os Yakuza.

Enfim, enquanto há vida há esperança, e eu vivo na esperança de um dia tudo isto acabar e o mundo ficar livre destes tiranos. Vamos lá ver é se eu sobrevivo até lá. É que neste momento a minha cabeça já deve estar a prémio e, sinceramente, não me admirava se um dia destes ao acordar, deparasse com uma nódoa de tinta permanente nos meus lençóis preferidos. Acreditem em mim, esta gente é capaz das maiores crueldades.

Já que falei no pai da imprensa – já agora, quem terá sido a mãe? – aproveito a deixa para uma pequena lição de história, algo que serve para prestar serviço público, um pouco à imagem do Professor José Hermano Saraiva, mas sem o irritante tom de voz deste conceituado catedrático.

Reza a lenda que o Johannes G, nome pelo qual era carinhosamente tratado pelos dreads lá do bairro, se lembrou de inventar a imprensa quando num belo dia em que o apetite não era muito, ao invés de comer a sopa de letras que a sua mãe tinha abnegada e afincadamente preparado, despejando o conteúdo dum pacote de sopa de letras Knorr numa panela com 1 litro de água e deixado ferver durante 5 minutos sem nunca deixar de mexer , ele ficou a mirar as letrinhas a flutuarem impávidas e serenas sobre aquela aguada de aspecto gorduroso, num cenário em tudo idêntico às tainhas no Tejo lá para os lados do Barreiro.

Nessa altura, bate-lhe uma daquelas ideias luminosas, com lâmpada e tudo (fiquem descansados que não vou dissertar sobre o Thomas Edison) e começa ele a imaginar como seria se pusesse aquelas letras a secar ao sol, as colasse a uns cubos de calçada à portuguesa, pusesse esse carimbos pré-históricos num tabuleiro, besuntasse aquilo tudo com tinta de choco e espetasse com a bela da folha A4 – em papel reciclado porque ele era uma ecologista – por cima daquilo. Et voilá: da sopa se fez a imprensa.

Nenhuma lição de história fica completa sem uma pequena incursão pelos escândalos e os podres que envolviam o G, porque não nos podemos esquecer que ele tinha inventado a imprensa, mas que com ela também tinha nascido a sua gémea má: a imprensa cor-de-rosa.

Segundo o que os Cláudio Ramos da época escreveram, a Dona Gutenberg era conhecida pelas suas belas hastes, pois reza a lenda que o maluco do G teve, durante largos anos, uma amante loira de origem Dinamarquesa, da qual nasceu o seu filho bastardo, de seu nome Carlsberg.

Deixando de lado a história e voltando aos tempo actuais, e já depois de ter desabafado acerca dos lobbies tinteiros, a realidade é que esta invenção criou um dos maiores paradoxos da humanidade: como pode a mesma substância que, pelo simples gesto de pegar num qualquer jornal, nos borra as mãos todas, ser a melhor coisa que existe para, em conjunto com aquele limpa vidros, cuja marca não vou dizer mas que para os que não conhecem começa por A, acaba em X e pelo meio diz JA, limpar os vidros lá de casa?!

Claro que já houve por aí muito especialista em química que deve ter teorizado acerca deste fenómeno, tendo concluído que tal facto se deve a uma qualquer osmose molecular invertida entre a tinta e o detergente, o que leva a que a união entre esses dois materiais distintos dê origem a algo com uma imensa capacidade de agarrar toda a sujidade existente nos indefesos vidros, um pouco à semelhança do que o Teixeira dos Santos, Tex nos círculos mais íntimos, faz com o nosso dinheiro.

Pois essa teoria é falsa. Pelo menos a parte da osmose, porque a parte do Tex é bem real. Eu vou explicar o verdadeiro motivo pelo qual a tinta não afecta os vidros. É simples. A realidade é que não há tinta nenhuma para sujar os vidros, porque toda a tinta que existia foi parar às nossas mãos quando lemos o jornal! É que se fosse mesmo por causa de arranjos moleculares, ou coisa parecida, entre a tinta e o detergente, ao invés de papel de jornal mais valia usar um belo dum choco e assim juntava-se o útil ao agradável: limpavam-se os vidros e fazia-se o jantar ao mesmo tempo!!!

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